segunda-feira, 21 de setembro de 2009

OPRESSÃO DA IMPRENSA

Jornais brasileiros transformam suspeito em condenado diante da opinião pública.

Michele Amaral.

10 de dezembro de 2000: o jornalista José Cleves e sua esposa Fátima Aparecida Abreu Silva são assaltados por dois rapazes, na região oeste de Belo Horizonte. O repórter do Estado de Minas assiste a morte de sua companheira, mãe dos seus cinco filhos. Como se não bastasse, vira alvo do inquérito policial N° 654/2000, que tramitou no Fórum Lafayete de Belo Horizonte, acusado de ter cometido o crime. É condenado pela imprensa, mas absolvido em todas as instâncias do processo, que terminou no dia 14 de outubro de 2008 com a sentença final do Supremo Tribunal Federal. Tudo isso foi relatado em seu livro e para estudantes de Jornalismo no último dia 26 de agosto.
Cleves começou a palestra dizendo que a imprensa representa o quarto poder. Segundo ele, a imprensa em sua essência é independente e tem o dever de fiscalizar os demais poderes (Legislativo Executivo e Judiciário).
No entanto, em seu caso isso não aconteceu. Em vez de fiscalizar, “o que se viu foi a imprensa comprando a versão do delegado sem que nenhum repórter lesse o inquérito de 2000 páginas, e tive o cuidado de acompanhar, nenhum jornalista leu, e não seguia em segredo de justiça”, disse José Cleves.
Se isso tivesse acontecido, ele argumenta, a opinião pública teria conhecimento de sua inocência. Todos os laudos da perícia, presentes no inquérito, foram favoráveis a Cleves: Laudos de digital na arma apreendida, residuográfico (para verificar se havia resíduo de pólvora nas mãos do jornalista), microcomparação balística, teste de disparo com a arma para saber se a mesma soltava pólvora, laudo da luva que teria sido utilizada no manuseio da arma, amostra de sangue e reconstituição.
O jornalista ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais (SJPMG) e do Departamento de Estatística e Estudos Socio-Econômicos (DIEESE) de Minas Gerais Dídimo Paiva destaca que a imprensa não reconheceu a injustiça que cometeu condenando um inocente: “quase oito anos depois a mídia (agosto de 2008) mal chegou a gastar doze linhas para relatar a absolvição”, declarou no livro que relata o caso.
Cleves foi absolvido em júri popular em todas as instâncias de Justiça. “Isso, em grande parte, por mérito próprio, uma vez que realizou uma investigação paralela, conseguindo localizar provas e testemunhas”, completa o Deputado Estadual Durval Ângelo.

Injustiça
O motivo para a tentativa da polícia de incriminar José Cleves, segundo ele, teria sido as várias reportagens que fez denunciando irregularidades dentro da corporação. No dia do assalto, o jornal Estado de Minas estampou na capa do caderno “Gerais” a matéria “Cidade armada até os dentes”, assinada pelo jornalista. A reportagem denunciava o comércio ilegal de armas de fogo realizado em Belo Horizonte por parte das polícias militar e civil.
“As fraudes são vergonhosas. Colocaram uma arma no local para incriminar-me, mas só dois dias depois do assalto. E primeiro foi dito e fotografado que a arma estava sobre entulhos, depois apareceu um pano preto, que seria uma luva. A fotografia foi trocada, na tentativa da possível luva justificar a ausência das minhas digitais na arma”, contou José Cleves.
Mesmo a perícia sendo favorável ao repórter, o delegado Edson Moreira falou para imprensa que o laudo da balística era positiva e que houve vestígio de pólvora nas mãos do acusado. Para manter sua versão, o delegado reteve o laudo no Instituto de Criminalística.
“O que impressionou na história foi a troca das fotografias da arma”, comenta Michel Reis, que assistiu a palestra proferida por Cleves. “Ele e os filhos devem ter sofrido muito com tamanha injustiça”, completa Michel.
A estudante Érica xxxx, se diz impressionada com o poder que a imprensa possui. “Da mesma forma que a imprensa acabou com a vida dele, poderia ter recuperado sua carreira, pois ficou claro o absurdo das provas falsas. Com o exemplo de Cleves dá até medo de trabalhar no jornalismo investigativo”, ressaltou Érica.
José Cleves diz que apesar de tudo o que lhe aconteceu, não se arrependeu das denúncias que fez sobre as irregularidades dentro da polícia: “esse é o dever do bom jornalista, apurar os fatos”, declarou. “Apesar da tentativa da polícia me incriminar, não acreditei que seria condenado inocentemente, as peças não se encaixariam”, completou Cleves.

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