domingo, 20 de setembro de 2009

Famílias de sem-terra ocupam terreno há 5 meses




A operação nomeada Dandara modificou o cenário da rua Petrópolis, no bairro Céu Azul.


Michele Amaral

Desde a madrugada do dia 09/04, cerca de 150 famílias montaram acampamento no terreno vazio há cerca de 40 anos. Hoje esse número subiu para 891 barracos, de acordo com a coordenadora de núcleo do acampamento Priscila Cristiane Pereira.
A ação foi realizada com apoio do Fórum de Moradia do Barreiro, Brigadas Populares e MST. Eles reivindicam a propriedade com cerca de 40 mil metros quadrados, de poder legal da Construtora Modelo, que pediu na justiça a reintegração de posse e desocupação da área.
O processo ainda está em tramitação, mas alguns moradores já controem no local.
A polícia militar faz vigilância 24 horas com o objetivo de garantir a ordem e impedir a entrada de materiais de construção: "Eles não ganharam a apropriação da terra e por isso não podem construir. Há rodízio de policiais para impedir a entrada de caminhões com material de contrução e garantir a segurança, mas tudo está relativamente tranquilo por aqui", relatou Soldado Dias, que não quiz dar maiores informações.
Ideslane dos Santos Pereira entrou no acampamento há 4 meses e para montar sua barraca precisou esconder os materiais no carrinho de bebê da sua filha. Ela conta que se mudou para a Dandara depois de ser despejada de onde morava, por falta de condições de pagar o aluguel: "Eu casei e tive minha filha, mas na minha gestação tive diabetes e pressão alta. Meu patrão me mandou embora grávida e só meu marido ficou trabalhando . A gente pagava R$200 de aluguel. Minha filha deu bronquite asmática e refluxo. Não consegui o remédio pela prefeitura imediatamente. Então eu tinha que gastar R$68 de 12 em 12 dias mais as passagens para irmos ao médico. Com isso ficamos devewndo dois meses de aluguel e fomos despejados. A solução foi pegar minha filha e vir pra cá", conta Ideslane.
Adriano Avelar de Souza mora no bairro Céu Azul há 19 anos e trabalha muito próximo ao local ocupado. Ele afirma que a situação é de receio diante da incerteza dos próximos acontecimentos e que há medo diante da possibilidade de enfrentamento das famílias acampadas e dos policiais ou mesmo com a comunidade. "Muitos deles disseram que não vão sair do local com facilidade, que não vai ter acordo e que caso eles tenham que ser despejados, vão sair quebrando o comércio da região, esse tipo de coisa", disse o morador.
A sem-terra Priscila confirma a possibilidade de resistência diante de uma possível ação de despejo. Porém, para ela, não há embate com os moradores do bairro: "O problema que temos com a vizinhança é por causa da mídia. Sempre se fala mal do povo aqui dentro, nunca bem. Aí eles se reuniram e fizeram um abaixo-assinado contra nós. Mas temos uma preocupação muito grande em mostrar para a sociedade que não somos isso que ela imagina. Aqui tem muita criança, muito idoso e muita gente que precisa. Nós sabemos que pode ter gente se aproveitando da luta do povo, como em todo lugar. Mas as famílias só querem viver com dignidade e as portas estão abertas para a sociedade conhecer nossa realidade, nossas dificuldades, antes de nos taxar de marginais", desabafa Priscila.
O morador Adriano afirma que a violência no bairro aumentou após a operação Dandara: "Era um lote vazio, tinha algumas criações, mas era relativamente tranquilo, apesar da favela que tem aqui perto. Mas depois que o acampamento veio pra cá a violência aumentou bastante, principalmente os furtos. Pode ser do pessoal do acampamento, mas também pode ser de gente que se aproveita da situação para cometer esses furtos. É uma situação complicada", preocupa-se Adriano.
Priscila, por sua vez, afirma que o terreno antes da ocupação era local de violência e por isso, foi escolhido para a invasão: "O pessoal ficou estudanto este imóvel há muito tempo. Sabíamos que ele não estava cumprindo sua função social. Aqui tinha estupro, desmanche de carros, drogas. Além disso, têm as dívidas de impostos", justifica a sem-terra.
Nossa reportagem não encontrou representantes da Construtora Modelo, dona do terreno, para comentar o assunto.



Conflitos com a prefeitura

Os sem-terra, através de Priscila, reclamam que a prefeitura não os recebeu para uma conversa, o que em suas opiniões seria essencial para a vitória na justiça para apropriação da terra. "Nós já procuramos várias vezes. Fomos na Assembléia, na Câmara Municipal. Por fim, fizemos uma mobilização e caminhamos daqui até o centro, dois dias, até na porta da prefeitura pra tentar conversar com o prefeito. Pedimos de várias formas, imploramos para nos receber para uma conversa, mas não conseguimos. Ele (prefeito Márcio Lacerda) simplesmente se recusou, mostrou que não tem diálogo com o povo", argumentou Priscila.
José Igídio do Carmo, representante do Conselho Municipal de Habitação, encaminhou nota do Conselho do dia 23 de julho de 2009 em resposta a nossa reportagem. A nota afirma que o Conselho é contra ocupações: "Negociar com os ocupantes significa ferir frontalmente a política municipal de habitação popular, construída democraticamente e com enormes sacrifícios, ao longo dos últimos 20 anos. Também seria romper acordos firmados com o movimento de luta pela moradia da capital, que reúne por volta de 13 mil famílias de baixa renda inscritas em 172 Núcleos de Sem Casa, com o propósito de alcançar o sonho da casa própria".
Ednéia Aparecida de Souza, do Movimento Popular por Moradia e da Cooperativa Habitacional Metropolitana, diz que não foram procurados pelos membros da operação Dandara, mas que existem discordância apoiadores da ocupação: "o Movimento (Popular por Moradia) tem passado muita dificuldade com os lideres das brigadas e do fórum do barreiro tanto que as provocações impostas pela coordenação destas entidades nos obrigou a escrever uma carta respondendo as acusações colocadas na mensagem da ocupação que, para alem de fazer criticas ao prefeito também agride o movimento de luta pela moradia e fere os critérios da lei municipal conquistada a duras penas pelas famílias organizadas", comenta Ednéia.
Priscila responde que o déficit habitacional de Belo Horizonte é muito grande, cerca de 173 mil. Isso faz com que a fila de espera seja enorme: "Muitos de nós estão sem emprego ou fazem praticamente o de comer, não podemos ficar esperando como se nada estivesse acontecendo. Estamos lutando pelo direito de moradia garantido pela Constituição", ressalta.
Ednéia diz que esse é o motivo pelo qual as ocupações não podem acontecer: "seria muito fácil resolver o problema histórico de habitação em bh, se bastasse ocupação. Imagine todo mundo sair ocupando tudo que visse pela frente. É preciso organização. É isso que propomos", finaliza Ednéia.

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